01 dezembro, 2011

A Rosa do Povo






É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra) 
mas porque dentro de mim, 
no fundo de mim, o grito 
se calou, fez-se desânimo. 
Sinto que nós somos noite, 
que palpitamos no escuro 
e em noite nos dissolvemos. 
Sinto que é noite no vento, 
noite nas águas, na pedra. 
E que adianta uma lâmpada? 
E que adianta uma voz? 
É noite no meu amigo. 
É noite no submarino. 
É noite na roça grande. 
É noite, não é morte, é noite 
de sono espesso e sem praia. 
Não é dor, nem paz, é noite, 
é perfeitamente a noite. 

Mas salve, olhar de alegria! 
E salve, dia que surge! 
Os corpos saltam do sono, 
o mundo se recompõe. 
Que gozo na bicicleta! 
Existir: seja como for. 
A fraterna entrega do pão. 
Amar: mesmo nas canções. 
De novo andar: as distâncias, 
as cores, posse das ruas. 
Tudo que à noite perdemos 
se nos confia outra vez. 
Obrigado, coisas fiéis! 
Saber que ainda há florestas, 
sinos, palavras; que a terra 
prossegue seu giro, e o tempo 
não murchou; não nos diluímos. 
Chupar o gosto do dia! 
Clara manhã, obrigado, 
o essencial é viver! 



Carlos Drummond de Andrade 



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