21 março, 2013

Sobre a questão do querer



chamam-lhe beleza. ou então fascínio. mas é, na verdade, apenas uma espécie de carinho de olhar. como se os olhos apertassem. como se os olhos abraçassem. uma ternura entre olhos. como se beijar fosse sem lábios e abraçar fosse sem braços. ...como se amar fosse sem tocar. como se querer fosse sem querer. e é. na realidade é. amar é, sempre, sem querer. quero-te na exacta medida em que não te quero. quero-te como se quer aquilo que se quer sem querer. pode parecer confuso. mas não é. é amor.



Pedro Chagas Freitas, 
Fábrica da Escrita

"Sou a tua casa, a tua rua, a tua segurança, o teu destino. Sou a maçã que comes e a roupa que vestes. Sou o degrau por onde sobes, o copo por onde bebes, o teu riso e o teu choro, o teu frio e a tua lareira. O pedinte que ajudas, o asilo que te quer acolher. Sou o teu pensamento, a tua recordação, a tua vontade. E também o artesão que para ti trabalha, o medo que te perturba e o cão que te guia quando entras pela noite. Sou o sítio onde descansas, a árvore que te dá sombra, o vento que contigo se comove. Sou o teu corpo, o teu espírito, o teu brilho, a tua dúvida. Sou a tua mãe, o teu amante, o marfim dos teus dentes. E sou, na luz do outono, o teu olhar. Sou a tua parteira e a tua lápide. Os teus vinte anos. O coração sepultado em ti. Sou as tuas asas, a tua liberdade, e tudo o que se move no teu interior. Sou a tua ressaca, o teu transtorno, o relógio que mede o tempo que te resta. Sou a tua memória, a memória da tua memória, o teu orgulho, a fecundação das tuas entranhas, a absolvição dos teus pecados. O teu amuleto e a tua humildade. Sou a tua covardia, a tua coragem, a força com que amas. Sou os teus óculos e a tua leitura. A tua música preferida, a tua cor preferida, o teu poema preferido. Sou o que significas para mim, a ternura que deságua nos teus dedos, o tamanho das tuas pupilas antes e depois de fazer amor. Sou o que sou em ti e o que não podes ser em mim. Sou uma só coisa. E duas coisas diferentes."

Joaquim Pessoa, 

 'Ano Comum'

Começar (de)novo



"Penúltimo dia do ano: 
dá a impressão de que vai haver uma grande mudança nas próximas horas, mas é apenas a vida seguindo seu curso e realizando a mágica de criar expectativas. Não é preciso ter pressa, mas aconselha-se a não perder tempo.
Não tenha pressa em realizar todos os projetos propostos. Quer mesmo parar de fumar? Diminua o número de cigarros diários, tome menos café, vá se acostumando com a ausência gradual da nicotina. Sem radicalismo, ganhe tempo para a consciência derrotar o vício. Você canta? Não tenha a urgência em pisar no palco do Metropolitan.
É estilista? Não queira contratar a Shirley Mallmann antes de aprender todos os segredos do linho, da seda e do algodão. Empresário? Produza, empregue, lucre e reparta, e as entrevistas virão. Não tenha pressa para crescer, mas não perca tempo com miudezas.
Não tenha pressa para aprender, mas não perca tempo com lições de moral. Não tenha pressa para construir uma amizade, mas não perca tempo com olás ocasionais. Não tenha pressa parar amar, mas não perca tempo patinando sem sair do lugar. Quer publicar poemas? Corra a inscrevê-los em concursos, não tenha pressa em ganhar o Nobel. Quer construir uma casa? Trate de armazenar tijolos, não tenha pressa em colocar os quadros na parede.
Quer pegar um bronzeado? Não perca o sol da manhã, não tenha pressa em conseguir um câncer de pele. Viajar? Economize uns trocados agora e não tenha pressa de voltar pra mostrar as fotos. Compro bons livros assim que são lançados, não tenho pressa em terminá-los. Amadureço a cada dia, não tenho pressa em envelhecer. Caminho a passos largos, entro e saio do mapa, excursiono por dentro e pra fora de mim, não estaciono, mas também não quero chegar.
A pressa serve para concluir, o tempo para desenvolver. A pressa atropela, o tempo desliza. A pressa é cega, o tempo enxerga longe. A pressa esconde, o tempo mostra. A pressa esfria, o tempo aquece.
Palavras minhas, mas a ideia quem me deu foi José Saramago, a quem cito com regularidade. ' Não ter pressa não é incompatível com não perder tempo'. Rapidamente, tratei de botar no papel tudo o que essa frase me inspirou, e se ficou faltando alguma coisa, adivinhe: a edição fecha apressada e o tempo me faltou." 

M.M.

14 março, 2013

Poema




Eu hoje tive um pesadelo

E levantei atento, a tempo

Eu acordei com medo

E procurei no escuro

Alguém com o seu carinho

E lembrei de um tempo


Porque o passado me traz uma lembrança

Do tempo que eu era ainda criança

E o medo era motivo de choro

Desculpa pra um abraço ou consolo


Hoje eu acordei com medo

Mas não chorei, nem reclamei abrigo

Do escuro, eu via o infinito

Sem presente, passado ou futuro

Senti um abraço forte, já não era medo

Era uma coisa sua que ficou em mim

E que não tem fim




De repente, a gente vê que perdeu

Ou está perdendo alguma coisa

Morna e ingênua que vai ficando no caminho

Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado

Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás



Cazuza escreveu para sua avó no início de sua adolescência. A música é de Frejat e a interpretação de Ney Matogrosso. Tornou-se uma canção só após sua morte.


13 março, 2013

Venhas quando quiser, mas....


C O N G E L A





"Congela o tempo pr'eu ficar devagarinho
Com as coisas que eu gosto
E que eu sei que são efêmeras
E que passam perecíveis
Que acabam, se despedem,
Mas eu nunca me esqueço."




Tulipa Ruiz

Soneto do amigo





Hoje foi um dia corrido, assim como tem sido a minha semana. Cheia de pendências no trabalho que precisavam ser colocadas em dia. Telefones, emails, chefes, clientes...e dentro deste cenário, recebo esse carinho de um amigo. Com certeza, mudou a cara do meu dia.


Enfim, depois de tanto erro passado

Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica




Vinicius de Moraes

Quem gostou da Ideia